quinta-feira, junho 21, 2007

José Roberto, o moço da radiografia

José Roberto trabalhava de madrugada, saía de casa às onze da noite quando a maioria estava se recolhendo. Pegava o último ônibus e caminhava mais dois quarteirões até chegar ao hospital em que trabalhava. O turno ia da meia noite às seis.
Entrava no prédio do hospital, subia de elevador até o segundo andar e de lá ia a pé até o terceiro, onde só se chegava pelas escadas. Ao subir os degraus seguia para esquerda em direção ao setor de radiologia. Vestia o avental branco e se preparava para as noites que eram quase sempre lotadas de pacientes que precisam de radiografia. Havia noites que ele ficava tanto tempo no escuro da sala que mal se lembrava como era a luz do dia.

- Boa noite.
- Boa noite - respondeu a moça.
- A senhora pode, por favor, tirar o sutiã e a blusa e vestir esse avental?
- Sim.
- Pode usar aquele banheiro ali.
- Ok.

Ele achava estranho ter aquele tipo de conversa com as mulheres que chegavam lá. Porque na realidade ele nunca havia pedido isso para uma mulher que não fosse dentro da sala de radiologia, e nenhuma nunca havia feito isso por livre espontânea vontade quando estava com ele.
Ele sempre fora sozinho. Sempre!
Ele era calado, não tinha muitos amigos e nem muito o que fazer quando estava em casa. Por isso ansiava para chegar a hora de ir para o hospital e trocava as folgas com os outros técnicos de radiografia, porque nunca tinha compromisso no fim de semana.

- Pronto
- Ok, pode deitar de barriga para cima. O que lhe aconteceu?
- Não sei, acordei de madrugada com uma dor muito forte nas costas. O médico acha que pode ser apendicite - a mulher explicava enquanto ele ajeitava o corpo dela e a máquina.
- Certo. Não se mexa. Quando eu pedir você prende a respiração por uns segundos.
- Está bem.

Ela era magra, cabelos longos, liso, e tão pretos que brilhavam. Depois dela vieram mais três, uma baixinha de cabelos curtos e ruivos, uma senhora gordinha, e por último, uma negra bonita de cabelos armados e encaracolados.
Ele ficava intrigado. Olhava as radiografias, tentava entender como é que ele, justo ele, não conseguia conquistar a alma de uma mulher.

- Justo eu que vejo todos os dias como é que elas são por dentro - pensava.

Por vezes ficava horas olhando fixamente para as fotografias para saber se, de repente, em um instante de distração da alma feminina, a emissão eletromagnética pudesse ter flagrado uma aventura qualquer do pulsar dos sentimentos mais íntimos de uma mulher.
Mas era díficil. A alma era quase sempre tão esperta que não deixava se fotografar.
José Roberto não desistia. A radiografia era sua paixão. Paixão que tinha encontrado para satisfazer a falta que lhe fazia ter uma paixão de verdade.
Paixão que se apegava sempre que o hospital estava vazio. Assim ele podia imaginar como seria o exterior de tudo o que ele havia visto interiormente.

- Como será? E aproveitava para inventar lembranças de momentos que havia vivido com cada uma das mulheres que por lá passavam. Ficava em silêncio pensando, vendo o que poderia ser.
- José Roberto, tem uma paciente aguardando.
- Pode mandar entrar.
Dessa vez era uma loira, de quase quarenta.
- Prende a respiração quando eu pedir.

E ele entrava na sala escura para acionar os botões com a esperança de que a foto pudesse lhe mostrar algo mais. E depois tinha mais tempo pra pensar no que não fora, no que não era, no que nunca seria. No final, ele era assim: não via nada por dentro, nada por fora. Só um imenso vazio dentro de si por ver tanto e, afinal, não ver nada.
E então ele seguia sendo apenas o José Roberto, o moço da radiografia.

14 comentários:

Obede Jr. disse...

Hey, sista!
Achei o conto meio triste.. De que adianta ver tudo e não ver nada?
Mas é um conto interessante.. Quem sabe José Roberto não apareça mais vezes.. ele parece ter mais histórias para radiografar..
E qdo vc vai ler meu livro heein? Grr.. Sista de paper!
Beijoos e LIG!

Anônimo disse...

Gostei bastante dessa história, mas é como o Odebe disse, meio triste. Mas a vida é assim... Existem muitos José Roberto espalhados pelo mundo, uns até com histórias bem mais tristes que a dele. Mas tenho fé que um dia o moço da radiografia achará sua mulher e a conhecerá por inteira, desde a raio x até o que ela detesta fazer nos dias chuvosos e frios do inverno...

Beijo linda e talentosa...

Camis disse...

Ai ai ai, vc seguiu o conselho do Vini... tsc tsc tsc
Não deixe esse moço pessimista (o Vini, não o Zé Roberto) tirar do seu coração a esperança que vc colocou em todos os outros contos: a de um final feliz!

Mas, como sempre, maravilhosamente escrito!

E repito, quero um conto sobre a Catarina, o último foi mto triste e há mto tempo!

Te amo!
Beijo!

Vinicius Cherobino disse...

Boa, Fabi. Tristeza, dor e vazio são as coisas que fazem o mundo. A literatura precisa falar disso, precisa ter dor, precisa ter inadequação.

Não cai no papinho da Camis não, é assim q se faz.

bjs

Paula Pereira disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Paula Pereira disse...

Já disse antes. Adoro histórias tristes e doloridas. Quanto mais verossímeas melhor. Não pelo sadismo, mas porque às vezes é só assim mesmo, mostrando a infelicidade alheia na literatura que as pessoas valorizam o que têm. A reflexão ou mesmo a identidade que encontram nas personagens valem muito mais do que qualquer final feliz. Até porque a vida não tem finais felizes, mas momentos de felicidade e de tristeza. E o final é simplesmente isso, o fim. Quando o coração não bate, quando as células não mais oxigenam. Sem múltiplas interpretações, apenas fim.

Silvia Regina Angerami Rodrigues disse...

adorei a história e tb a discussão nos comments. Acho que a história pode ter uma parte 2. Não concordo mto com o Vini, não... prefiro os finais felizes. (quem precisa de mais "realidade" na "literatura"?? - sei não...)

Bruno Ferrari disse...

sublime...

Jonathan Amaral disse...

Adoro esses finais. Você sabe disso. Essa coisa de trabalhar com o real é apaixonante. A linguagem da realidade é a mais clara e a mais direta que existe. Nos aproxima da personagem, nos faz pensar em nós. Interessante a história de alguém que se enxerga só a todo instante. Quantos de nós sentimos isso todos os dias? Fabi, você sempre traz belos textos pra essa página. Continua nessa.
Beijos.

Silvia Regina Angerami Rodrigues disse...

Oi, Fabi, fui lá no fotolog matar as saudades mas não posso mais postar bilhetinhos por lá, então vim aqui só pra dizer um oi. Bjssss

Unknown disse...

Gostei muito. a realidade é assim, triste. Abraços

BLOG DO NEGRÃO disse...
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Silvia Regina Angerami Rodrigues disse...

Hey, Fabi!! cd vc?

Giovanni Alecrim disse...

Olá. Passando para retribuir a visita.

então, o Marcuarelio eu conheço já algum tempo, pelo blog dele.

O ricky e eu nos formamos juntos, mesma turma, gente boa, um irmão de fato.

E vc? de que IPI é?