segunda-feira, maio 07, 2007

Luiza nunca brincou

Luiza foi a primeira dos trezes filhos de Maria e Joaquim, moradores de uma fazenda localizada no Sul de Minas, na cidade de Conceição dos Ouros, bairro do Caxambu. Ela nunca brincou. E também nunca estudou. Lá não havia escola. A menina até freqüentara uma quando um fazendeiro generoso contratou uma professora para ensinar seus filhos e cedeu algumas vagas para filhos de vizinhos. Mas a “regalia” não duraria por mais de seis meses. A professora foi embora e também não dava pra perder tempo com escola quando se tinha tanto o que fazer em casa.
Ela era primeira mulher da família e logo viriam seus outros irmãos e Luiza, desde os seus sete anos, precisava ajudar sua mãe Maria.
- Mamãe tem sempre muita roupa pra costurar.Às vezes o bolo de panos é tão grande que ela não vence de tanto trabalhar. Eu preciso cuidar dos meninos, trocar as fraldas, ajudar na limpeza da casa, levar a marmita para o pai lá na roça. O fogão a lenha da cozinha é muito alto para mim. Mas mamãe providenciou um banquinho. Eu subo nele e pronto, posso cozinhar a vontade.
- Luiza, mas quando é que você brinca?
- Eu nunca brinco. Só às vezes né? Quando sobra algum tempinho e alguém vem aqui brincar comigo.
- E você brinca do que menina?
- Ah, quando alguma das vizinhas vem aqui a gente brinca de casinha.
- Mas não é isso que você faz quando não está brincando?
- É, mas aí é de verdade né?
- E qual a diferença?
- Ah, eu sempre guardo os pedaços de louça que se quebram e finjo que são panelinhas, xicrinha... Essas coisas. Aí a gente vai na horta da mãe e apanha uns matinhos pra fingir que é comidinha.
E assim, raramente, ela brincava. E quando brincava, repetia sua rotina diária, só que de brincadeirinha.
A menina foi crescendo sem brincar. No cafezal do pai conheceu Jeremias.
- Eu fiquei com medo quando ele chegou perto de mim. Porque se o pai vê ele lá conversando comigo enquanto eu trabalho ele fica bravo.
Namoraram oito meses. E ela continuava sem brincar. Jeremias fora para São Paulo, arrumara emprego e voltou pra buscar Luiza.
Com 17 anos Luiza casou-se com ele e só conheceu sua casa quando chegou a São Paulo, no dia seguinte ao casamento. Aí ela conheceu o lugar que seria uma brincadeira só dela. Aos vinte teve Eunice, depois vieram os gêmeos Ézio e Elza, seguidos do Ezequias.
Ela crescera sendo mulher, crescera sendo mãe, nascera quase crescida. E depois viria a próxima geração e ela mais uma vez não tinha tempo pra brincar.
Ela aprendeu a fazer da vida o lavar, o passar, o matar a galinha, o colher fruta no pomar, o cozinhar, o apanhar hortaliças, o tirar leite da vaca, o educar os filhos. A sua vida sempre foi um eterno servir.
E eu me pergunto intrigada: Como é que ela consegue ser assim tão amável?

Conto baseado na história verídica de Luiza Moreira da Silva, minha doce avó.