quinta-feira, agosto 31, 2006

O menino da marchinha de carnaval

Desisti de postar os contos no fotolog e vou usar esse espaço mais reservado pra expô-los. Espero que gostem e acompanhem...

O conto de hoje foi escrito no dia 14/03/2005, inspirado em uma cena real que eu vi no metrô. Um retrato do valor das coisas simples.

Metrô, oito e meia da manhã. Um menino de oito ou nove anos, moreno índio, a camiseta esgarçada, vestido de uniforme escolar. Não vi ninguém ao lado dele e nem por perto, pensei que ele estivesse sozinho. Sentado no banco cinza, aquele reservado para gestantes, idosos e deficientes, o garoto ocupava os dois assentos do banco. Sentava em um, e o outro era ocupado por um caderno aberto.
- Posso sentar ao seu lado? Perguntei.
- Pode. Respondeu o garoto apanhando o caderno para que eu pudesse sentar. Então, ele abriu uma mochila, pegou um saquinho plástico e começou a revirar as coisas que estavam dentro, tirou um lápis e revirou mais um pouco, procurando por alguma coisa.
Depois de chacoalhar o saquinho de tudo quanto é jeito, o menino finalmente achou o que procurava: o apontador. O lápis era pequeno e estava apontado dos dois lados, o menino tentou, tentou e tentou deixar a ponta boa para escrever, mas ela sempre quebrava (ele apontava demais).
Como se desistisse, ele revirou mais uma vez o mesmo saquinho e tirou de lá uma caneta. Percebi que não era apenas eu quem observava o garoto.
Um moço em pé abriu a mochila e pegou uma lapiseira.
- Toma, fica pra você. Eu tenho outra.
- Brigada. Disse ele com um sorriso.
- É que nem lápis, só que não precisa apontar. Disse eu
- Eu sei, é lapiseira. Falou ele.
Abriu o caderno. Na Contra-capa o seu nome: Eduardo Filipe. Começou a escrever bem devagar: Mamãe ................eu ............quero............mamãe..........eu quero Mamãe eu quero mamar... Parou e ficou cantando baixinho. Deu um grito: - Manhêeee... Como é aquela música mesmo?
- Qual? Ela respondeu sentada no lado oposto do corredor sem poder vê-lo já que entre eles havia muitas pessoas que lotam o metrô nesse horário.
- Aquela lá... Mamãe eu quero, mamãe eu quero, mamãe eu quero mamar. Cantou bem alto.
- Ah filho, depois!
Intrigado Eduardo voltou-se para o caderno e colocou um título sobre o que já havia escrito: Machinha (foi assim mesmo que ele escreveu) de carnaval. Ficou cantando bem baixinho a música, como se tentasse lembrar a continuação.
- Dá a chupeta, dá a chupeta, dá a chupeta pro bebê não chorar. Cantei baixinho para ele.
- Brigada. E escreveu o que eu tinha dito.
- Manhêeeeee...
- Depois Eduardo, agora não dá pra gente conversar, respondeu a voz que vinha de longe, já irritada com insistência do garoto.
- Calma mãe! É que eu to aprendendo a escrever de caneta. Eu escrevi a marchinha e aqui não tem nem um erro. Falou orgulhoso.
A mãe não respondeu. O menino ficou cantarolando baixinho, depois escreveu tudo de novo só que com a lapiseira que tinha ganhado.
Estação Sé... Desembarque pelo lado esquerdo do trem.
-Tchau. Despedi-me.
-Tchau. Ele disse.
Ficou olhando como se estivesse procurando alguém e quando achou o rapaz da lapiseira acenou empolgado e gritou: Tchaaaaauuuu.
O rapaz sorriu e respondeu.
Eduardo Filipe permaneceu no metrô, provavelmente ficou cantarolando, feliz porque tinha aprendido a letra da marchinha e a escrever de caneta e ainda tinha ganhado uma lapiseira. E agora que a maioria das pessoas havia descido, ele podia, finalmente contar tudo para mãe.