segunda-feira, novembro 13, 2006

Sou um decassílabo

Eu não gosto de métricas, de escrever poesias com rimas e nem mesmo de redondilhas* ou dos decassílabos**. Sim gosto de lê-los, mas fazê-los vai além do meu credo de palavras livres e soltas, com a liberdade da literatura e dos pensamentos. É por isso que prefiro escrever contos. Porque faço deles o que bem entender. Penso assim, sou assim.
Mas quando olho pra dentro de mim, mas pareço um poema de Camões com sua medida velha, ou redondilha, ou um exemplar de Os Lusíadas com a inovação do decassílabo.Explico.
A verdade é quando escrevo quero ser livre e quando sou quero ser padrão, quero ser metrificada. E aí exijo de todos ao meu redor as redondilhas. Dê as voltas necessárias mas me venha redondilha. Transforme-se em dez, mas me venha decassílabo.
E então a frustação é evidente, pois ninguém consegue ser verso de Lusíadas o tempo todo, nem rimar como Chico, nem metrificar como Camões. A vida nem sempre é poesia, a vida é muito mais prosa.
Hora ele age sem rimas adornadas, hora quer ser um verso bem feito e metrificado. Por isso não se pode esperar sempre poesia. Tudo é válido, tudo é literatura, nada é feito palavras ao vento. Seja o que for, é bom saber que a vida nem sempre é pentassílabo***.

*Redondilha é o nome dado, a partir do século XVI, às estrofes em verso de cinco ou sete sílabas — a chamada medida velha. Aos primeiros dava-se o nome de redondilha menor e, aos segundos, de redondilha maior.



** Decassílabo é o verso composto por dez sílabas métricas. Consoante a acentuação, os decassílabos podem ser classificados de várias formas. O decassílabo clássico é geralmente acentuado nas sexta e décima sílabas, tomando então o nome de decassílabo heróico. Dele se encontra exemplo na quase totalidade dos versos de Os Lusíadas, de Luís de Camões. Quando o acento recai sobre as quarta, oitava e décima sílabas, o decassílabo designa-se sáfico.

***Pentassílabo ou Redondilha Menor são os versos compostos por cinco sílabas.

quinta-feira, novembro 09, 2006

Glória

E quando Glória acordou já era tarde. Estava atrasada e ainda tinha que levar os filhos na escola, deixar o bilhete para a empregada com as devidas recomendações, preparar a merenda das crianças, esquentar o leite, colocar a mesa do café. Já eram quase 8 quando os olhos abriram involuntariamente de um sonho que a paralisara na profundidade de seu pensamentos de sono.
O mundo desabava numa só pessoa. As pessoas faziam fila na porta de sua casa com listas enormes de problemas que queriam resolver, coisas que somente Glória poderia fazer. Apesar da multidão do lado de fora, ela se desesperara e dizia bem alto ao marido.
- Eles estão enganados. Eu não posso. Eu não sei resolver nada, não consigo. Eu nem os conheço.
O marido não falava absolutamente nada, apenas balançava a cabeça num aceno negativo.
Abriu um pedaço da cortina e a rua em frente a seu jardim parecia cada vez mais cheia. Ela tinha medo e não tinha coragem de abrir nem uma fresta da janela pois não conseguia imaginar a reação das pessoas que esperavam ao saberem que a glória estava apenas no seu nome.
Respirou fundo.
Rebraram-lhe o vidro da janela com uma pedra. Isso já era demais.
Num impulso contínuo foi até a porta e abriu-a com agressividade.
- O que é vocês querem?
- Queremos que você resolva, respondeu uma senhora com os cabelos brancos e um coque.
- Quem é o primeiro da fila? - Disse ela de forma firme e irritada.
- Sou eu, respondeu a mesma senhora. Tenho forte dor nas costas e nas pernas. Não sei o que fazer.
- Aqui está, procure o Dortor Macedo neste endereço.
- Ah, obrigado. Não sabia que isso existia.
- Próximo, interrompeu-a
- Me sinto gorda
- Vá caminhar. Tem um parque bonito há três quarteirões daqui.
- Preciso de dinheiro
- Aqui está os classificados. Qual é sua formação? Procure uma vaga de emprego.
Uma a uma as pessoas foram partindo e ela conseguiu indicar o caminho da resolução para quase todos. Para alguns porém, ela dizia:
- Desculpe, não tenho a solução para isso.
E então ela acordou sedenta e tinha ainda muito o que resolver. Pensou que não podia, mas levantou-se vestiu-se com um vestido florido azul piscina e acordou as crianças.