quarta-feira, outubro 04, 2006

Jogo de queimada

-Chega! Chega - repetiu
Ela estava cansada, cansada de ter que entender todo mundo, de ter que dar conselhos, de ter que dizer sim, de ter que sorrir, mas o que mais a cansava era ter que ouvir o que ela mesma plantara, mas que na verdade, não devia ouvir.
E foi por isso que gritou bem alto, como se a partir daquele momento aquilo tudo fosse deixar de existir.
-Eu sempre fui assim, sempre fui assim.
Ela sempre deixou que os outros fizessem o que quisessem com ela. Ela tinha medo de dizer. Quando era criança e brincava na rua, era sempre a última a ser escolhida para o time da queimada. Era aquela que sobrava, a mais fraca.
- Eu sempre fui a mais fraca, mas também nunca fiz questão de tentar ser forte.
É. Nunca fez mesmo. Ela deixava que os outros dissessem o que quisessem, fizessem o que quisessem, e ainda por cima, se aceitava como a mais frágil, como a mais fraca no time de queimada.
- Eles não me escolhiam porque eu realmente não sabia jogar. Só por isso.
Era assim que justificava os atos dos outros para si mesma. Mas os anos foram passando e na vida adulta pouco importava seu desempenho na queimada, pouco importava se ela conseguia se proteger da bola do time adversário.
- Mas importa quantas vezes eu me calo.
Cada vez que ela se calava diante de uma afronta era como se ela não se importasse de ser a última a ser escolhida. Na infância, a hostilidade havia se instalada de tal forma no coração dela que como se quisesse se sentir melhor, tentou, cada dia mais, ser forte.
- Acontece que ser forte não adianta em nada quando não se diz o que pensa, quando se deixa dizerem o que querem.
A grande verdade é que ela se acostumara a se calar para não chatear os outros e para não perder, por hora, o prestígio que havia alcançado entre os amigos, familiares e colegas.
- Eu tenho medo de não ser mais escolhida. Eu tenho medo, de reviver agora a hostilidade da infância.
E já fazia tempo em que ela havia conquistado o seu espaço nos jogos da vida. Mas o tempo não a ensinara que ela precisava ainda, por mais ridículo que pudesse ser, de um pouco de auto-afirmação, de confiança em si mesma e de personalidade para afirmar sem medo o que fazia sua cabeça doer irritantemente.
- Dizem que eu falo demais, mas a verdade é que poucas vezes eu falo o que eu realmente quero dizer, principalmente quando preciso dizer verdade duras para quem eu amo.
E o grito inicial só serviu para dar start em uma auto-análise que nem ela sabia se ia fazer algum sentido na realidade.
- Eu não sei se posso gritar Chega!
O primeiro grito acontecia apenas em seu íntimo enquanto a vida continuava a passar e os jogos a acontecerem. O grito só serviu para entender a si mesma. Mas entender a si mesma, ainda estava longe de ser um Grito forte, firme e sem temor.

6 comentários:

Anônimo disse...

É preciso gritar sempre..
É preciso se fazer ouvir né querida?
Acho que antes de ser escolhido primeiro é preciso saber escolher também.. saber escolher se quer mesmo jogar com quem tem deixa por último..
Afinal, sempre haverá outras quadras para se jogar.. sempre haverão outras pessoas que se importaram com seu estilo de jogo..

eu costumava escolher os times.. e não sei se era nobreza de minha parte, ou por me achar melhor que os outros, eu sempre escolhia alguém tido como fraco..
vai ver era parte dessa minha vontade de superar o dificil.. com tudo contra.. essa vontade de me mostrar capaz sabe..

conto fantástico o seu.. eu adoro o jeito como vc me faz pensar.. e saum poucas as coisas nesse mundo que me fazem pensar de verdade..

grite, grite tuuudo pra fora..
se sentirá bem melhor..

beijooos!
PS: se um dia jogarmos queimada eu te escolho pro meu time heein!!

Pri Bella disse...

Fabi!
Como sempre sensacional!!!!
Eu to me sentido assim hoje, quero gritar Chega!!!
Te amo!
Bjo!

Silvia Regina Angerami Rodrigues disse...

A gente passa a vida inteira tentando se conhecer melhor e adivinhar nossas reações. Mas que eu tb nunca era escolhida no jogo de queimada, não era mesmo. Hehehe.

Anônimo disse...

Ai, Fábi... Me lembrei de quando eu era pequeno; eu era o último a ser escolhido pro time, e era realmente porque eu não sabia jogar... Tudo bem, já passou.
Bonita sua forma de pensar e de expressar isso em palavras; acho que já te disse isso algumas vezes, mas vale repetir: seus textos sempre me fazer ficar pensando por dias, de verdade. às vezes, quando percebo, estou pensando no que você escreveu muito tempo depois de ter lido.
Fábi, Fábi... Tinha que ser a Fábi...

Anônimo disse...

há momentos em tudo o que mais queremos é gritar 'chega!', não é mesmo?

belíssima a metáfora com o jogo, linda :)

passarei auqi mais vezes, prometo!

te amo,
beijão

Jornalista crônica disse...

Eu sei que a história da queimada é verdadeira, mas não sei se a dificuldade em dizer "não" é real ou foi emprestada de outra pessoa. De qualquer forma, é um aprendizado, principalmente para as mulheres que são super-hiper-mega cobradas para serem perfeitas.
Mas está ótimo o resgate do jogo de queimada!

beijos

Estela