quarta-feira, abril 18, 2007

Dama da Noite

Girou a chave, pisou na embreagem, engatou a primeira e pisou vagarosamente no acelerador. Estava feliz, muito feliz. Saía de um jantar em família em que se sentia incrivelmente bem.
- Nós vamos ter um bebê, havia revelado há pouco para os pais e sogros que estavam na sala de sua antiga casa.
As famílias brindaram e ela sentia que aquele era um dos momentos mais sublimes pelo qual já havia passado. Era incrível saber que ela carregava uma vida dentro dela, uma vida novinha, que ia descobrir todas as coisas que ela já vira. E ela, ela e ele eram os responsáveis por tudo.
Despediu-se de todos e partiu para casa. Ele saíra um pouco antes para levar os pais. Se encontrariam mais tarde.
Samantha bateu a porta do apartamento de sua mãe e enquanto esperava o elevador pensava em todas as coisas boas que já lhe haviam acontecido, em como tudo estava se indireitando.
Engatou a segunda. A terceira. Ligou o rádio.
A noite estava linda, quente. Lembrou-se de quando era criança e os pais colocavam as cadeiras na calçada e ficavam conversando com os vizinhos, bebendo cerveja, comendo amendoim. Agora ela também daria boas lembranças ao seu próprio filho. Ela esperava que ele nascesse numa noite como essa e que ele pudesse, ao sentir cheiros diferentes, lembrar também de momentos que haviam lhe feito bem.
Parou no semáforo, uma árvore de Dama da Noite exalava um profundo cheiro de passado. Lembrou-se do sítio de sua vó, onde passava todas as férias, quando criança. Lá havia um árvore como aquela. E ao lado via-se balanços, onde as crianças costumavam ficar horas se balançando e quando a noite vinha, lhe enchia os pulmões o cheiro das flores.
- Se vovô estivesse vivo iria costruir um balanço pro neném, assim como ele fez com todos os netos, pensou.
Com o pensamento longe ainda submerso no perfume das noites de férias, nem percebeu quando parou ao seu lado um homem. Não viu seu rosto. Estava escuro.
A mão do homem entrou sobre o vão do vidro aberto, apertou-lhe a garganta e pediu que lhe passasse a bolsa, a carteira, o celular, o carro, tudo o que tinha.
Ela tirou o cinto de segurança. Pediu somente para pegar o sapatinho de tricô que o marido havia comprado e lhe presenteado durante o jantar. O homem deixou.
- Agora vire as costas e saia andando sem olhar pra trás.
Samantha chorava. Obedeceu.
O homem entrou no carro e acelerou. Ela sentiu um alívio e segurava firme o sapatinho de tricô enquanto se distanciava cada vez mais das damas da noite.
Inesperadamente o homem engatou a marcha ré. Desceu do carro e, antes que ela pudesse entender o que estava acontecendo, uma bala passou pela sua nuca. Os sapatinhos, que eram amarelos, ficaram caídos ao lado dela.
O carro arrancou e sumiu na escuridão.
Pela última vez, numa noite como aquela, ela sentia o cheiro da dama da noite.
Os olhos fecharam.
Pela primeira vez, numa noite como aquela, as damas da noite não mais tinham cheiro.

8 comentários:

Obede Jr. disse...

A história ficou excelente, triste e real!
Quantas Samanthas não passaram por isso apenas no mês que acabou?
É tudo muito complicado, é tudo muito sem sentido, é tudo inseguro. Num piscar de olhos a vida muda, ou pior, acaba!

Só tem paz quem anda em par com Deus, né sista?
Beijooooos e parabéns pela volta!
LIG!

Camis disse...

Que sinistro, Fabi!
Mas muito boa história e muito bem escrita. Parabéns!

Beijão!

Silvia Regina Angerami Rodrigues disse...

Que bom que vc voltou a escrever seus maravilhosos contos, Fabi!!!! mas eu preciso te confessar que teria preferido outro final. Já que a realidade é dura, que pelo menos a ficção seja livre, leve e solta.... Beijos, querida, e parabéns!!!

Anônimo disse...

Meda de você.

Anônimo disse...

Oi!!
Fabi muito triste este conto, porém ficou ótimo vc está escrevendo super bem. Quando vamos poder comprar o primeiro livro?
Esta minha amiga está ficando muito metida...aparece na TV, escreve contos rsrsrs.
beijinhos
Renata

Paula Pereira disse...

A-do-ro coisas reais e doloridas, nos textos, claro. Se houvesse sexo ou quem sabe se aquele filho fosse do cunhado ou do próprio pai, esse teu conto seria beeem rodriguiano. Ótimo título. Instigante, com duplo sentido e referente ao detalhe. Lembre-se disso, jamais dê obviedade a um conto, senão perde a graça, tá na medida, parabéns!

Unknown disse...

Linda, linda, linda, porém triste no final...
Afinal, nem tudo termina bem...

i disse...

Puxa vida, que história poderosa. E o fato de que poderia perfeitamente ser verdadeira a torna mais forte.